A Subcultura Gótica - Uma abordagem sócio antropológica
- Diana Borges
- 15 de jul. de 2021
- 15 min de leitura
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, realizado no âmbito da unidade curricular Socio Antropologia do Desenvolvimento e da Cultura (SCD), aborda a temática da subcultura gótica, mais precisamente, a origem e a globalização deste movimento, bem como a exclusão sofrida por parte dos seus integrantes. Assim, ao longo do mesmo, articularemos conceitos abordados no decorrer das aulas, nomeadamente, através do tratamento de diversas problemáticas inerentes ao movimento e à gestão das mudanças sociais nos processos de globalização, procedendo, ainda, a uma reflexão sobre as diferenças individuais e grupais existentes.
Para tal, num primeiro momento, iremos elaborar uma contextualização e um enquadramento teórico acerca do tema supramencionado, em paralelismo com as temáticas e autores da unidade curricular, nomeadamente, Boaventura de Sousa Santos, Stephen Stoer, António Magalhães, David Rodrigues e Ricardo Vieira. Tencionamos, igualmente, desenvolver um olhar sensível à conjuntura política e social, com o intuito de construir um melhor entendimento face ao movimento/subcultura gótica e às suas repercussões na sociedade. Por último, teceremos um conjunto de considerações finais relativamente ao trabalho elaborado, bem como reflexões resultantes da análise do tema num olhar enquanto futuras especialistas em educação.
Assim, neste meandro, importa expor o sentido do conceito de subcultura. De acordo com as palavras de Giddens (2001: 24-25), “[q]uando falamos em subculturas não nos referimos apenas a grupos étnicos ou linguísticos minoritários de uma sociedade, mas a qualquer segmento da população que se distinga do resto da sociedade em virtude dos seus padrões culturais.” e, portanto, incluem-se nestes parâmetros, por exemplo, os góticos, os hippies, os hackers informáticos, os adeptos de um clube de futebol e os fãs de Hip-Hop. Não obstante, é de valor referir que muitas pessoas podem identificar-se com várias subculturas, não sendo necessário pertencerem apenas a uma. Deste modo, os indivíduos pertencentes a uma dada subcultura são definidos por utilizarem roupas idênticas, códigos de conduta específicos e por possuírem hábitos comuns. À vista disso, “as subculturas oferecem às pessoas a possibilidade de se expressarem e agirem de acordo com as suas opiniões, aspirações e valores.” (idem: idem).
À luz das linhas precedentes, a subcultura gótica surgiu no Reino Unido, nos finais da década de 70 e inícios da década de 80, sob a forma de um novo estilo musical originalmente denominado como pós-punk. Esta subcultura resultou da influência de várias correntes artísticas, e propagou-se pelo Mundo produzindo novos estilos de vida e filosofias, ao mesmo tempo que se afirmou na pintura, arquitetura, literatura, música e vestuário fazendo com que fosse considerada uma subcultura completa e diferente dos outros estilos visuais, que se caracterizam por possuir apenas um único estilo.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Na época Renascentista, o termo gótico qualificava a arquitetura das igrejas católicas. Com o Romantismo, este conceito começou a representar o lado sinistro, melancólico e mórbido da literatura romântica, o que, na opinião de Vasconcelos (2002: 122 cit in Pereira, R. & Lima, M., 2018: 51), acaba por “perturbar a superfície calma do realismo e encenar os medos e temores que rondavam a nascente sociedade burguesa”. Em analogia, com o Ultrarromantismo enfatiza-se a categoria do terror nos filmes e na literatura, a aparência gótica sobressai e surgem personagens representadas pelo mistério e sedução.
Por sua vez, na música, durante a década de 70, uma banda denominada por Joy Division destaca-se pelas suas particularidades decorrentes do estilo gothic rock. Tal como refere Mueller (2008: 135),
[n]o goth artist received the level of attention enjoyed by the group Joy Division, one of the most talented English bands to appear during the late 1970s – early 1980s, and one of the few bands from the period whose style has resisted classification.
Contudo, apesar das suas músicas transmitirem sentimentos como a tristeza e a deceção inerentes a este movimento, para Mick Mercer (idem: idem)
“Joy Division were highly influential on goth artists but were generally not considered part of the goth scene because their music was too morose, had no interest in theatricality or parody, and because their music lacked irony.”.
Ainda na música, são também visíveis outras bandas, nomeadamente, Bauhaus e Siouxie & The Banshees nas quais predominam performances teatrais, maquilhagens escuras, roupas pretas e extravagantes, bem como penteados elaborados. Já no mundo da literatura gótica sobressaem-se autores como Edgar Allan Poe – que enriqueceu esta categoria com a sua perversidade e humor - Mary Shelley e Bram Stoker que utilizavam uma linguagem crítica da sociedade inglesa. No cinema notabilizam-se, no género de filmes de terror, “Nosferatu”, “The Cabinet of Dr. Caligari”, “Dracula” e os filmes de Alfred Hitchcock, sendo que, aos olhos dos britânicos, quem se interessava por filmes góticos e de terror era “louco”.
Atualmente, a subcultura gótica disseminou-se, dando origem a diversos estilos e vertentes. Como tal, são poucos os integrantes que permanecem puros à subcultura proveniente dos anos 80, uma vez que, com o processo de globalização, esta se foi modificando. Com o passar do tempo, surgiram também os denominados “posers”, “ou seja, aqueles que veem o estilo apenas como modo de chocar o resto da sociedade e que não conhecem nem um pouco a verdadeira cultura. Estes membros geralmente estão totalmente expostos à mídia e são influenciados por ela.” (Ambrosio, J., et al, 2010: 4)
Relativamente a alguns estilos do universo gótico, destacamos o Gothic Rock que corresponde à prática original deste movimento presente nos anos 80 e caracteriza-se pelo uso de visuais mais simples, compostos, especificamente, por calças jeans, camisolas pretas, casacos de couro, maquilhagem e cabelos robustos. Mais tarde, emerge na Europa o Cyber Gothic que, rapidamente, se espalhou pelo Mundo. Estes vestem-se com roupas mais coloridas e chamativas, como o verde limão e o rosa, óculos e maquilhagens carregadas. Entre os anos de 1997 e 1998 manifesta-se um novo estilo, o Gothic Lolita, também conhecido por Goth Loli ou Gosurori, no qual predomina um vestuário em estilo vitoriano, rococó ou edwardiano. Posteriormente, o estilo Gothic Metal também ganha ênfase através da música, onde se mistura o metal com o gótico.
Ao contrário dos anteriores, neste as cores estão mais presentes, sendo a sua estética menos pesada. Na faixa etária da pré-adolescência, predomina o estilo Kinder Goth ou Baby Goth, cujos seguidores utilizam roupas oriundas do metal e do skate, ouvem metal e tentam chocar mais as pessoas do que manter uma estética. Face aos estilos supramencionados, é ainda visível o Corp Goths em que o grupo procura equilibrar entre a estética gótica e os códigos de dress code, onde investem em roupas escuras, vintage ou retro, utilizam materiais como veludo e brocados e, como acessórios, chapéus e joias em prata. Ulteriormente, evidencia-se igualmente o estilo J-Goth que se inspira no cosplay ou em bandas alternativas identificadas pelo Visual Kei, compostas, maioritariamente, pelo género masculino que, nos seus outfits, tentam atingir uma aparência feminina. Não obstante, é relevante mencionar que existem mais estilos do universo gótico para além dos expostos.
Sucintamente,
the goth subculture and the music associated with it, were about drawing strength from negative emotions. The culture expressed an extreme pessimism, with no faith in the social and economic changes sweeping Britain at the time. It displayed a fascination with decay, despair, and nostalgia. Its fashion and music were a pastiche of signs and symbols associated with melancholy, ephemerality, gothic art and literature, punk rock, glam rock, The Velvet Underground, and horror films from Nosferatu to the work of Vincent Price. (Mueller, C., 2008:4).
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Nesta fase, iremos articular os conceitos explanados durante o decorrer das aulas com os conteúdos supramencionados, através de uma reflexão crítica à luz da bagagem adquirida no decorrer da licenciatura em Ciências da Educação, nomeadamente, da unidade curricular Socio Antropologia do Desenvolvimento e da Cultura.
À vista disso, como referido anteriormente, “uma subcultura tem sempre implícita, consciente ou inconscientemente, uma identidade e pertença coletivas.” (Castro, R., 2014: 27), na qual todos os sujeitos que compõem o grupo são influenciados por esta pertença na construção da sua identidade e no seu quotidiano, o que, consequentemente, provoca uma reprodução social. O papel constituinte de qualquer subcultura ou movimento na sociedade moderna ocidental são os símbolos e os estilos promovidos através das relações nestes grupos de pertença, resistindo, de certa forma, à cultura de massas, mais generalizada.
Patente a isto, a globalização cultural e o desenvolvimento tecnológico, particularmente a internet que permite comunicar e trocar informações entre indivíduos que residam em locais distintos, foram um dos principais geradores das subculturas. Assim, pertencer a uma subcultura ou movimento, tem latente o sustentar algo, marcar uma posição, transmitir significados e trocar informações. Esta união entre um grupo de sujeitos, que detêm o mesmo gosto musical, é criada, sobretudo, através das opções de estética partilhadas e do mundo da música. Como tal, a noção de identidade e naturalidade ganham um singular interesse, dado que, através da pertença a uma dada subcultura, o indivíduo cria a oportunidade de definir o seu modo de estar, limitado pelo contexto intergrupal simbólico e ideológico, partilhando, desta forma, as normas grupais que representam valores, expressões sociais e determinadas ações.
Por conseguinte, é possível hoje em dia, observar a presença em diversos países, de uma subcultura associada ao género musical gótico, apoiada em microgrupos na sociedade ocidental, que se formou em volta de uma noção identitária, apresentando estilos de vida semelhantes e uma imagética estética. Estes grupos de indivíduos mantêm a pertença na subcultura através da participação em eventos que motivam a interação, aumentando as suas ligações com os outros membros.
Desta forma, torna-se indispensável explorar a noção de Globalização, pois a subcultura gótica inicialmente surgiu em Inglaterra e foi através da globalização cultural que, posteriormente, chegou a Portugal. Assim, é possível afirmar que estaremos perante um Globalismo Localizado, sendo que hoje em dia, Londres, mais precisamente Camden Town no norte de Londres, é considerada a Capital do Gótico, graças aos seus mercados, espaços noturnos e pontos turísticos (Camden Street Markets, Regent’s Canal, Camden Lock e Electric Ballroom), mas que se dissipou pelo mundo. É plausível, ainda, falar de um processo de aculturação desta subcultura que se espalhou por outros países da Europa, facto visível, por exemplo, através da existência de festivais ligados ao universo Gótico, como é o caso do Wave Gotik Treffen realizado em Leipzig, na Alemanha e do festival Entremuralhas que se realiza em Leiria, Portugal.
Segundo Giddens (1991: 69), a globalização reside na “intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”. Esta representa, igualmente, um tipo de mudança social analisada através do quotidiano, um sinal de modernidade, crise e mundialização, devendo ser vista, também, como um modo de adaptação dos sistemas e redes locais e nacionais num sistema mais vasto, tendo efeitos ao nível da política, economia, cultura e tecnologia. Neste meandro, este processo veio intensificar a mobilidade de pessoas, de objetos, de imagens e de valores, possibilitando novas noções de identidade, ao passo que forneceu novos estilos de vida, práticas de consumo, crenças e ideologias, preferências estéticas e corporais, bem como diferentes perspetivas de olhar o mundo, indagando vários dogmas, processos de integração, normas, estruturas e representações sociais.
Nesta linha de pensamento, é importante salientar que é perante esta massificação citadina que se revelam, mais naturalmente, as subculturas, potenciadas pela rede de interações presentes. Na Pós-Modernidade, a realidade das relações e interações que os atores sociais apresentam são muito mais ricas e complexas. Existe uma maior liberdade de escolha, novas formas de relacionamento e principalmente novos meios de comunicação que permitem aos indivíduos ter contacto com uma série de comunidades, dependendo, em grande parte, do que procuram, escolhem e realizam.
No que diz respeito ao tema em estudo, desde a sua origem que os góticos são olhados com estranheza. Todavia, com o passar do tempo, embora estas perceções se tenham modificado, estes ainda não são totalmente aceites, pois muitas pessoas continuam a menosprezá-los. A título de exemplo, no massacre de Columbine em 1999, os atacantes foram declarados como góticos, espalhando a falsa ideia de que estes são marginais, agressivos e com tendências suicidas. As suas verdadeiras identidades foram, mais tarde, desvendadas, o que excluiu a teoria inicial de que pertenciam a esta subcultura. Após o tiroteio, o analista técnico Gabor Por explicou que
“media outlets began describing shooters as ‘Goth’ because of some of the music they happened to listen to. Simply listening to the music alone does not make one Goth, but this was unfortunately the ‘birth of the stereotype.’” (Newman, S., 2018: 8).
Este afirma ainda que a comunicação social tende a procurar pela ‘próxima grande coisa’, transmitindo, por vezes, notícias desadequadas à comunidade. É com base em notícias como esta que se criam diversos estereótipos, podendo estes provocar, em indivíduos sensíveis, traumas que os levam a cometer suicídio, tal como aconteceu com Tempest Smith, uma menina de doze anos que, para se afastar não só dos abusos físicos, como também dos verbais, devido aos seus interesses e aparência, optou por pôr fim à sua vida, resultando, assim, numa
“tragic end to such a young life, purely because she was different (Por)” (idem: 28).
Só em 2007, derivado de um assalto e assassinato a um casal de namorados góticos, é que a discriminação desta subcultura passou a ser legitimada como um problema. Posto isto,
“[i]t is unfortunate that something so terrible had to happen for perceptions to begin to change.” (idem: 10).
Numa outra perspetiva, do ponto de vista das escritoras Burns e Le France, os músicos que produzem estilos intitulados como “underground” ou simplesmente circunscritos a um grupo populacional, tendem a opor-se e afastar-se das ideologias e princípios do público em geral. Desta forma, estas escritoras excluíram, intencionalmente, artistas que abordavam temas como os direitos LGBTQ+, punks, góticos e produtores do estilo heavy metal.
Por sua vez, na visão da antropóloga Karin Gonzalez esta subcultura possui, como qualquer outra, características positivas e negativas. Como aspetos positivos, salienta a originalidade, o amor próprio e o interesse por assuntos tabus. Já como pontos negativos, sublinha que os góticos, na sua maioria, são controversos e desequilibrados, identificando-se com esta subcultura por se sentirem isolados e/ou depressivos, o que faz com que se criem estereótipos de que estes são violentos e agressivos, ocasionando obstáculos a este grupo que tem lutado contra estas conceções.
Apesar da ocorrência das tragédias supramencionadas, os preconceitos relativamente à subcultura gótica persistem, até aos dias de hoje, no quotidiano destes indivíduos espalhados por todo o Mundo. Neste sentido,
[p]eople see someone who is different and immediately judge them; this is not something that just happens to Goths, it happens to everybody. With certain appearances come some automatic judgments due to stereotypes that have been ingrained in us by popular culture, mainstream media, and the people around us. (idem: 33).
De modo a articular os conteúdos lecionados, consideramos pertinente debruçarmo-nos, agora, sob um olhar crítico em relação à subcultura gótica.
Nesta lógica e de acordo com o nosso prisma, a subcultura gótica ainda não é totalmente aceite pela sociedade, sofrendo, muitas vezes, processos de discriminação. Isto deve-se essencialmente ao facto de serem vistos, por parte da comunidade, como estranhos e pertencentes a um território exterior, causando uma tendência para inferiorizar estes indivíduos. Como tal, “o que provém de fora da comunidade e do seu território é encarado como uma ameaça.” (Stoer, S., Magalhães, A. & Rodrigues, D., 2004: 129). É com base nisto que estes grupos sociais, assim como as minorias com forte identificação étnica, sentem a necessidade de viver localmente (Vieira, R., S/D: 60). Assim,
“[p]or vezes, guetizam-se para preservar a cultura herdada, como defesa da cultura exterior e, quando preciso, são também capazes de falar o código cultural mais global e legitimado pela cultura hegemónica do Estado.” (idem: idem).
Atendendo ao exposto, sobressai uma relação de dominação-opressão a partir dos juízos de valores da comunidade em geral (dominantes) para com os góticos (dominados) que, por possuírem características ou status quo diversificados, são submetidos a atos de domesticação, o que poderá conduzir às tragédias acima mencionadas. Citando Rodrigues (1998, cit in Stoer, S., Magalhães, A. & Rodrigues, D., 2004: 53), “[a]s pessoas são sumariamente julgadas e identificadas por características corporais eivadas de pressupostos de lugares-comuns, de ideias ultrapassadas e de conceções sociais elitistas, hierarquizadas e reprodutoras de valores sociais competitivos e elitistas.”, isto é, há aqui uma relação de poder do “nós” (dominantes) sob o “eles” (dominados). Esta exclusão pode, portanto, surgir a partir das diferentes distribuições do poder. Nesta linha, estamos perante uma exclusão que se consagra no etnocentrismo/modelo etnocêntrico, onde um conjunto de pessoas inseridas na comunidade se sentem superiores às demais sociedades e culturas, tendo dificuldades em pensar e compreender a diferença, suscitando-lhes sentimentos de medo, estranheza, apreensão, entre outros.
Por fim, “[a] exclusão social é, no primeiro caso, estar fora dos valores e símbolos partilhados; (...) ser excluído é, para dizer de um modo simples, não fazer parte das redes.” (Stoer, S., Magalhães, A. & Rodrigues, D., 2004: 131). Ademais, a exclusão é um processo intrinsecamente ligado à privação da posse, bem como da identidade e, por isso, é importante que os grupos detenham uma voz ativa na elaboração dos guiões sociais e políticos, pois o seu futuro depende apenas de si próprios.
De modo a concluir, é relevante lembrarmo-nos “que não se pode considerar como inferior aquilo que é apenas diferente.” (Stoer, S. & Cortesão, L., 1996: 52), sendo crucial deixarmos de lado os nossos preconceitos etnocêntricos e confrontarmos a heterogeneidade de culturas, sem recorrer a juízos de valor,
uma vez que o progresso deriva da colaboração entre culturas», e porque «através da diversidade torna-se possível a compreensão das culturas – na medida em que só a compreensão das diferenças enquanto sistema permitirá atribuir a qualquer cultura individual o seu sentido verdadeiro» (Rowland, 1987: 8-9)” (idem: idem).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o passar dos anos, assistiu-se a diversas mudanças provocadas, sobretudo, pelos impactos da globalização, marcados pelos avanços tecnológicos e científicos. Estes, na área da educação/formação, desempenharam uma relação de dominação-opressão, em que as classes sociais ocupam uma posição etnocêntrica, ou seja, superior às demais, com o intuito de restringir ideologias e, consequentemente, guiar os percursos de vida, concebendo aquilo que deve ser disseminado, transmitido socialmente na relação entre os indivíduos, bem como a conduta em que se deve cingir a vida social.
Boaventura Sousa Santos afirma, relativamente ao multiculturalismo, que o mundo se tornou, a par da globalização, um “arco-íris de culturas (Santos, 1995ª)” (cit in Cortesão, L & Stoer, S., 1996: 56). À luz do referido, o surgimento desta heterogeneidade cultural, leva a que muitos grupos sejam postos de parte devido às suas diferentes crenças, valores e modos de agir, passando, deste modo, por um processo de exclusão que, segundo o autor Castells, se define como um
“processo pelo qual certos indivíduos e grupos são sistematicamente impedidos de aceder a posições que lhes permitiriam uma forma de vida autónoma dentro das normas sociais enquadrados por instituições e valores, num determinado contexto.” (Stoer, S., Magalhães, A. & Rodrigues, D., 2004: 26).
Na época do pré-modernismo, a exclusão surge quando, após um território ser definido como propriedade de uma determinada comunidade, um novo grupo, com diferentes ideologias, se tenta inserir no território já habitado e são confrontados como intrusos e alheios à comunidade. No que tange ao paradigma pós-moderno, o território afirmou-se de dois modos: pela virtualização e pela heterogeneização.
Por um lado, o espaço criado pelos dispositivos tecnológicos, postos à disposição dos indivíduos e dos grupos, torna-se fortemente virtual. Por outro lado, assiste-se a uma forte heterogeneização desses espaços e territórios, dado que, ao contrário da lógica da homogeneidade nacional, são produzidos a partir da e para difundir e afirmar a diferença (eventualmente) incomensurável dos seus criadores. (idem: 139).
Perante isto, para que um indivíduo seja incluído, é imprescindível que haja uma inserção deste nos diferentes espaços, não havendo, portanto, elementos fora da rede e das interações.
Face ao exposto e embora todos tenhamos consciência de que a discriminação e exclusão é algo inoportuno, a quantidade de pessoas que atualmente sofre com estas problemáticas apresenta, ainda, números consideráveis, em comparação com os indivíduos que confirmam, efetivamente, praticá-la.
Como futuras licenciadas em Ciências da Educação, temos a noção que a educação tem um papel primordial na transmissão de competências e de valores, podendo mesmo servir como uma ferramenta de mudança social. Os professores têm como principal missão “ensinar às crianças que todas as pessoas são iguais.” (Cortesão, L & Stoer, S., 1996: 56), independentemente, entre outras razões, da cultura ou subcultura que agrupam. Contudo, dentro de uma sala de aula composta por alunos dos vários contextos, o docente, quando não preparado, pode sentir dificuldades em lidar com as diferentes situações, direcionando-se, mais rapidamente, àqueles que pertencem à norma cultural, “excluindo”, ingenuamente, os restantes. Além disso, este utiliza um código elaborado, pois julga que, num momento futuro, os seus alunos estarão mais aptos a conseguir progredir no mundo profissional, no qual apenas se enaltecem os conhecimentos científicos, princípios e linguagens das classes dominantes o que, na nossa opinião, não deve ter tanto impacto, dado que
“(...) oferecer as mesmas propostas educativas a alunos culturalmente diversificados significa contribuir para a exclusão de muitos deles.” (idem: 39).
Para tal, num primeiro momento, os professores devem refletir acerca da sua transformação, questionando-se quanto à sua postura. Posteriormente, cabe-lhes investir na sua formação, como meio de adquirir novas técnicas pedagógicas que lhes fornecem competências e criam barreiras face aos preconceitos e práticas habituais.
Não há dúvida de que a formação de uma atitude multicultural entre os professores, capacitando-os a tirar partido da heterogeneidade social e cultural para ensinar, representa um passo fundamental na construção de uma escola que defenda e promova os direitos sociais e culturais dos indivíduos. (Reis, 1995b: 95, cit in idem: 53).
Esta figura deve, igualmente, trabalhar na construção de dispositivos de diferenciação pedagógica, que só conseguirá se adotar uma postura consciente e de abertura, essenciais ao reconhecimento e assimilação do “arco-íris cultural”, no qual desempenha a sua função, ao passo que o docente tem de ter em atenção que os estudantes não são meras tábuas rasas, pois trazem consigo uma bagagem intelectual adquirida com as experiências vividas. A par disto, os professores devem adotar mecanismos do modelo relacional, que assume como ponto de partida
“a proposta de pensar a diferença na sua incomensurabilidade, isto é, ao assumirmos que a diferença também somos nós (transformando assim o «nós» num «ele»), é a nossa própria alteridade que se expõe na relação.” (Stoer, S. & Magalhães, A., S/D: 40).
Neste meandro, a educação inter/multicultural dá lugar à junção e confronto de diferenças, levando a que os alunos se descubram a si próprios e se coloquem na posição do outro, a partir do auxílio do docente.
Posto isto, é de valor mencionar que, segundo o nosso ponto de vista, o sistema educativo precisa de apostar mais na educação sobre as subculturas existentes, assim como nos seus estilos e modos de vida, de forma a atenuar, ou até mesmo eliminar a discriminação e a exclusão destes mesmos grupos. Todo o processo de socialização acontece, em primeiro lugar, no seio familiar, no entanto, a escola desempenha também um papel fundamental na transmissão de conhecimentos e na construção do “eu”.
À vista disso, a educação formal caracteriza-se como um pilar da formação dos sujeitos, possibilitando-lhes aceder ao “conhecimento [...] como o meio privilegiado por intermédio do qual [...] se reencontrariam consigo próprios [...] num processo de desalienação até ao cidadão” (Magalhães, A. & Stoer, S., 2003: 1181).
Em suma, a partir da realização deste trabalho conseguimos perceber que ainda há muito a fazer em relação à existência dos estereótipos, nomeadamente, na subcultura em estudo, pois, embora
“many people are more accepting of those that are different from them, though this does not apply to everyone. Many still suffer from discrimination due to their gender, race, religion, or in this case their subculture.” (Newman, S., 2018: 38).
Discentes: Diana Borges, Joana Silva e Liliana Gomes
Docente: António Magalhães - FPCEUP
Unidade Curricular: Socio Antropologia do Desenvolvimento e da Cultura

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