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Da Educação à Intervenção Social

  • Foto do escritor: Diana Borges
    Diana Borges
  • 13 de jul. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 14 de jul. de 2021


“… Não pode existir educação e, portanto, reeducação sem uma certa visão do ser humano…”

Cada sociedade tem o papel de moldar o individuo, coletivamente ou individualmente, com o sentido de se reunir fundamentos necessários para uma “comunidade de vida.”

No entanto, devemos sempre privilegiar a construção de uma identidade individual segundo bases diferenciadas – e é aqui que entra o acompanhamento educativo.


“A aventura humana é, ela própria, profundamente antidemocrática: duas células germinais unem-se ao acaso e transmitem um capital genético rico em potencialidades ou gravemente alterado.”


O que somos?

O que fazemos?

Como agimos?

Intervimos em nome de quê?


Ser educador pressupõe colocar “uma zona de existência ao serviço das crianças, sabendo que, sob os termos um pouco antiquados da amizade, de devoção e de acompanhamento contínuo, se inscreve num grande dinamismo potencial.”


Fatores que intervêm na educação de uma criança:

Clima de uma equipa;

Dificuldades encontradas;

Que fazem com que a criança seja objeto fóbico, perverso, desvalorizada, regressiva ou objeto de omnipotência.

Contudo, sabemos que cada interveniente é portador de uma componente afetiva e a “lucidez de um olhar dirigido sobre si próprio não é somente uma atitude desejável para favorecer o estabelecimento de uma relação harmoniosa. É de tal forma necessária que se pode inscrevê-la como uma regra ética, cuja transgressão faz incorrer o risco de derivas tanto mais severas quanto o educador social não se ocupa somente de crianças e tem de se confrontar com jovens com deficiências múltiplas.”

“A Deficiência é um fator de mudança social porque obriga todo e qualquer individuo saudável a interrogar-se sobre as estruturas de uma comunidade e sobre quais são os melhores meios de prestação de cuidados.”


“ Todo e qualquer interveniente guarda em si mesmo a imensa esperança de erradicar a própria causa das deficiências. Para mobilizar este desejo, tem simultaneamente de ser portador de uma certa loucura que permite ver para além do que é, a fim de antecipar uma evolução positiva e pôr-se em relação com as teorias explicativas tranquilizadoras.”


“Existiam nos anos 50, serviços de crianças ditas “irrecuperáveis” que misturavam, sem que ninguém se interrogasse sobre a legitimidade da etiqueta, crianças psicóticas, autistas, deficientes mentais ou carenciados profundos.”


“Desde há mais de 40 anos, alguns psiquiatras que consideravam que a maioria das doenças mentais infantis (inclusive distúrbios de comportamento) eram provocada por uma toxina segregada pelo bacilo da tuberculose. Juntamente com as suas equipas, hospitalizavam os jovens pacientes durante vários meses, submetendo-os a um tratamento antituberculoso.”


Um conjunto de práticos educativos e de administradores ousaram transgredir os conceitos dominantes para desembocar (terminar) na realização de serviços múltiplos permitindo a algumas dessas crianças levarem uma existência normal e a outras a serem reconhecidas na sua condição de seres humanos.

A obra freudiana pode ser considerada como um dos acontecimentos maiores do sec. XX nas nossas sociedades ocidentais. Todavia, não se deve esconder que as mudanças alcançadas não validam automaticamente as ideias propostas.


Apesar de muitas variáveis e de inúmeras incertezas entre os conceitos que parecem predominantes numa dada época, devemos intervir junto das crianças que são também sujeitos que sofrem de uma deficiência, adição cheia de consequências pois confere-nos um direito de ação ao mesmo tempo que nos confrontam com os nossos limites e até mesmo com os nossos insucessos repetidos. Esta situação pode levar a faltas de ordem ética que se renovam sobre formas variadas consoante as épocas.


Porque um plano terapêutico, em sentido lato, pressupõe idealmente um conhecimento das causas, uma construção coerente dos meios e uma previsão dos obstáculos encontrados, o educador não escapa à necessidade de se construírem pontos de referência generalizáveis.


Se o faz em nome de hipóteses que terão continuamente de ser postas em causa, encontra neste processo uma fonte de segurança. Se se rigídifica, as armadilhas não tardam a amontoar-se.

Uma de entre elas é a de querer encontrar, antes da verificação de uma descoberta, “a causa” de um determinado síndroma, e quanto mais esse distúrbio parece misterioso, mais se acentua esta tendência. O autismo é disso um exemplo gritante: durante inúmeros anos a origem psicogenética desta doença foi afirmada em nome de uma pertença continuidade entre uma “posição autística” da primeira infância e o isolamento mortífero de sujeitos atingidos por esta perturbação.


Autismo:

O autismo é uma disfunção global do desenvolvimento. É uma alteração que afeta a capacidade de comunicação do indivíduo, de socialização (estabelecer relacionamentos) e de comportamento (responder apropriadamente ao ambiente — segundo as normas que regulam essas respostas).

As características essenciais da Perturbação Autística são a presença de um desenvolvimento acentuadamente anormal ou deficiário da interação e comunicação social e um repertório acentuadamente restritivo de atividades e interesses.


Se a profundidade dos distúrbios pode acarretar um desmoronamento das energias profissionais (pais colocavam em segundo plano a profissão e o prazer de viver para eles próprios – culpabilização por parte dos pais) e desembocar em designações simultaneamente diagnósticas e prognósticas que condenam antecipadamente toda e qualquer possibilidade de evolução, o desejo de querer prestar cuidados a qualquer custo resulta por vezes, ele também, em faltas éticas.

A primeira atitude – abandonar o sujeito à sua deficiência – reveste-se de múltiplas formas:


Recusa pura e simples de acompanhar um ser humano nas suas dificuldades;

Pretender que só possam ser ajudadas os adolescentes ou as crianças que formulam o respetivo pedido;

Estabelecimento subtil de uma hierarquia das abordagens educativas ou terapêuticas;

As etiquetagens têm um tal poder mortífero as síndromes retomadas no plano psiquiátrico são regularmente “desbaptizadas” devido a sua significação destrutiva.


É verdade que o risco de uma imposição é grande, mas a decisão de só tratar os sujeitos que sabem exprimir um pedido explicito resulta na eliminação de um grande numero de jovens cujas feridas narcísicas, os modos de revolta e os mecanismo defensivos para atenuar momentaneamente o sofrimento, interditam precisamente todo e qualquer forma de outros apelos para além dos sintomáticos. O prático educativo que se refugia atrás desta regra, aparentemente respeitadora do sujeito, risca com um só traço todo uma população profundamente infeliz mas incapaz de entrar no modo de expressão requerido.


Por exemplo, reservando “os casos desesperados” para os internatos, ou pondo no cume das intervenções as psicoterapias analíticas e a um nível mais baixo as reeducações comportamentais, sem se interrogar verdadeiramente sobre as indicações dos instrumentos terapêuticos à nossa disposição.


Se existem, pois, atitudes segregadoras que devemos saber denunciar, é também verdade que uma vontade de omnipotência pode apoderar-se de um interveniente educativo, ou de uma equipa, e desembocar em violências que adquirem, elas próprias, aspetos multiformes.


Um síndroma pode ser por si mesmo tão invocador de estranheza e de sofrimento que convida a querer que seja “tratado” ou erradicado a todo o custo.


As manifestações sintomáticas são com frequência profundamente perturbadoras. No plano emotivo, ferem o narcisismo da pessoas que ajuda e, no plano da realidade, desorganizam a vida de uma coletividade, quer se trate de uma bairro ou de um grupo institucional.


Só tomaremos como exemplo o das crianças abusadas sexualmente. Após um longo período de recusa em que a população e os práticos educativos não conseguiam admitir que uma criança pudesse ser o alvo dos fantasmas pré-genitais de um adulto, a realidade torna-se bruscamente tão evidente que foi preciso implementar muito rapidamente um conjunto de medidas preventivas, educativas e terapêuticas.

Abusos físicos, abusos sexuais e abandonos repetidos, são tantas as agressões lamentáveis vividas por uma criança que, paradoxalmente e devido a imensas ressonâncias desencadeadas no adulto que descobriu estes escândalos, esta pode conhecer secundariamente novas violências camufladas pelos termos reeducação ou tratamento.


No domínio médico, conheceu-se assim uma fase felizmente abreviada de lobotomias que não se justificavam.


O educador vê-se desta forma perante uma situação difícil: é “pago” pelos poderes públicos para que reine a paz num dado meio, sente-se responsável, e com razão, pelo bem estar de uma pequena coletividade que se encontra regularmente confrontada com comportamentos inaceitáveis, é atingido na sua autoestima devido à repetição de atos que a sua consciência reprova. Tem portanto de agir, mas também aqui as suas modalidades de ação correm progressivamente o risco de endurecer e de resultar em tomadas de posição e em atitudes muito discutíveis no plano ético.


Toda uma patologia da coação pode deste modo instalar-se. E algumas atitudes de laxismo (tolerância excessiva em relação à falta de cumprimento do dever e obrigações) sobressaem no mesmo processo pois são formações reacionais que cedem bruscamente quando existe uma fase aguda de stress e que resultam num autoritarismo momentâneo tanto mais ativo quanto mais reprimido durante muito tempo.


No campo da Educação e da reeducação, é falso dizer que estas derrapagens correspondem somente ao procedimento de práticos educativos ligados a esta ou aquela corrente teórica: foram assim acusadas deste género de abusos as abordagens comportamentalistas e as abordagens cognitivistas.


Todas as reflexões mostram o quanto é complexo construir uma ética do educador. Também aqui podem surgir abusos porque vão constituir-se regras codificadas e institucionalizadas, regras sem duvida necessárias para garantir o respeito pelo outro, mas perigosas se se tornam instâncias de controlo paralisantes.


Um dos pontos que parece possível pôr em evidência é a dificuldade em estabelecer uma relação autêntica de trocas com uma criança com que é preciso simultaneamente estruturar as bases de identidade e favorecer um processo de individuação. A disponibilidade, o respeito pelo outro, a empatia, as antecipações positivas, a função de apoio, o testemunho de uma determinada maneira de ser e de fazer e a segurança são as “qualidades” essenciais nunca adquiridas de uma só vez, escondendo-se em cada uma delas possibilidades de desvios.


A criança desperta em nós todas as riquezas e todos os acasos da nossa própria infância. O que chamamos de atração, de amor e de desejo de partilha é sustentado, dinamizado, travado e desviado por esta pré historia sem a qual não existiria identidade.

Esta foi a mensagem mais revolucionária que a psicanálise soube formular.


Se o educador não integrou emotivamente o significado dos múltiplos pequenos atos quotidianos substituindo-os numa ação global, só pode sentir-se desvalorizado relativamente àqueles que possuem nos sues títulos profissionais o prefixo “psi”, ou relativamente àqueles que declaram “fazer o social”.


Enquanto este movimento continuar a ser o mais forte, o orgulho de uma identidade profissional reconhecida pelos outros práticos e geradora de novas iniciativas mobilizadoras não poderá ser construído.


O problema é que fora da formação de base dada por uma escola especializada, é bastante raro existir um aperfeiçoamento continuo a nível universitário que aprofunde o domínio singular da educação social.

Mas estes conhecimentos adquiridos secundariamente contribuem mais frequentemente para afastar o profissional do campo educativo direto do que se aproximar dele.


Esta reflexão pode parecer bastante distante da ética, mas, na verdade, está muito próxima. Por isso, poderemos nós empenhar-nos com uma real disponibilidade se o trabalho empreendido suscitar uma fraca estima de si próprio, um ceticismo acerca do seu devir, um sentimento de inveja em relação às disciplinas conexas e uma esperança se sair rapidamente de uma posição que aparece como subalterna?


Estas reflexões não ficam completas se não as situarmos relativamente às turbulências sociais. E sem duvida, mais difícil ser educador nestes últimos decénios devido às mudanças sociais e as às perturbações morais com as quais vivemos.

“Quem sou eu?”

“Em nome de quê eu sou?”


Não se pode educar sem impor à partida, e mais tarde, regras da vida pessoal e comunitária e depois sem acompanhar uma criança em torno das questões que têm por objeto as suas origens, a morte, o sagrado, o sentido da existência, os inevitáveis conflitos entre os desejos de omnipotência e a condição de ser mortal, limitado e castrado e entre a realidade da solidão e do sofrimento.


Se uma ética de educação social significa efetivamente que é preciso ousar olhar e pôr em causa o seu poder, quer também dizer que não pode existir educação sem fervor, sem amor e sem pontos de referência?


Cada vez que um educador se esquiva a esta função, sente que transgride uma necessidade fundamental que a criança tem de se estruturar para se interrogar. Ele tem, portanto, que admitir que é simultaneamente portador de constrangimentos e liberdades.


Discentes: Diana Borges e Joana Reis

Docente: Enrique Vaz - FPCEUP

Unidade Curricular: Ecologia do Trabalho Social e Educação



 
 
 

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