top of page

A Investigação-Ação pode auxiliar na desmitificação do tabu da Saúde Mental?

  • Foto do escritor: Diana Borges
    Diana Borges
  • 13 de jul. de 2021
  • 11 min de leitura

Atualizado: 14 de jul. de 2021

Introdução

Tendo em conta o assunto, frequentemente presente durante toda a licenciatura sobre o papel de um mediador socioeducativo e da formação e as possíveis saídas profissionais, este ensaio lança questões com grande interesse que podem mostrar a variedade de oportunidades que os licenciados em Ciências da Educação poderão ter, visto que um dos meus principais objetivos será demonstrar qual a relação que a Saúde Mental tem com as saídas profissionais do curso de Ciências da Educação e de que forma a Unidade Curricular de Investigação-Ação em Educação pode enriquecer essa relação.


Através do âmbito deste ensaio, pretendo demonstrar a ligação da Unidade Curricular de Investigação-Ação em Educação com a mediação familiar entre os doentes com perturbações mentais graves e as suas famílias, tendo como objetivo proporcionar a exposição das ideias e pontos de vista de ambas as partes, para que, quer a família, quer os próprios doentes, consigam encarar melhor a situação em que se encontram, assim como, também, poderem unirem-se de forma a possibilitar uma mais fácil e agradável recuperação e reintegração na sociedade, e deste modo desmistificar o tabu existente nos portadores de doença mental.


Sendo assim, a questão que se coloca, e dá pertinência ao ensaio é: A Investigação-Ação pode auxiliar na desmistificação do tabu em Saúde Mental? Neste sentido, e no seguimento da relação acima mencionada, é relevante referir que uma fácil (re) integração social só será bem-sucedida se os respetivos doentes forem, primeiramente, aceites pela sua família e, por conseguinte, serão respeitados por qualquer indivíduo da sociedade, tal como António Coimbra de Matos refere “ O deficiente (doente) só será compreendido pela sociedade quando o for pelos pais, pela família.” (Matos, A.C, 2004).


Desta forma, penso ser importante dar uma especial atenção a este fator, tendo em conta que o facto de a família compreender a posição do doente, e em consequência o doente compreender a posição da sua família em relação ao seu estado clínico, favorece a sua relação, assim como possibilita uma melhor e fácil recuperação e mais tarde a sua reintegração familiar e social.


Como experiência vivenciada neste campo, a qual me permitiu formular esta questão, optei pela minha experiência enquanto tripulante de ambulância, na qual trabalhei em parceria com o Hospital Magalhães Lemos e com o Hospital Psiquiátrico de Conde Ferreira, e que me possibilitou e observação e a projeção de uma possível intervenção neste campo, assim sendo este ensaio baseia-se mais numa hipotética intervenção, do que numa intervenção já vivenciada.


Enquadramento Teórico


Conceito

Como enquadramento teórico da unidade curricular neste plano interventivo é importante definir o conceito de investigação-ação, embora não sendo fácil devido à complexidade do conceito e às diferentes conceções e práticas que se apresentam.

Uma das definições de Investigação ação que penso ser importante referir é a de Nunes “… a Investigação-Ação encontra a sua especificidade no trabalho de gerar a ação pela investigação e a investigação pela ação na e pela confrontação e o questionamento de uma pela outra no seio da mudança.” (Nunes, 2005:6), a qual é corroborada por Ardoino que indica que a Investigação-Ação pressupõe o cruzamento de disciplinas e de “… novas formas de pensamento, novas representações do objeto, e não apenas uma diferença de métodos, técnicas ou procedimentos…” (Ardoino, 1997).


Realçando agora a experiência de que fui alvo, considero que esta se inseriu numa lógica de investigação-ação, na medida em que tanto eu enquanto tripulante de ambulância, assumindo um papel de investigadora, como os pacientes enquanto atores sociais, numa hipotética intervenção, estaríamos ambos implicados no processo que acima de tudo visaria uma possível mudança para eles, mas que acima de tudo, a experiência se revelou modificadora para mim enquanto pessoa.


A investigação-ação é uma alternativa epistemológica baseada numa mudança de paradigma que interroga o modo de fazer ciência (método instrumental). É um tipo de investigação que surge inspirado na escola de Frankfurt e que tem por base uma racionalidade emancipadora, estando aberta a vários percursos (abordagens qualitativas/quantitativas). Implica um campo comum entre os investigadores e os sujeitos da investigação apelando para uma lógica de mudança orientada para um fim comum.


Os investigadores que neste processo são simultaneamente atores, apresentam-se aqui implicados, prevalecendo a subjetividade e a participação aos vários níveis, quer sejam pessoais e/ou profissionais. É uma investigação na qual está presente «(…) uma relação interativa entre a investigação (cuja necessidade emerge no seio de uma situação concreta), com a Ação (conjunto de operações planificadas por quem decide), pressupõe a implicação dos diversos intervenientes e a existência de um Investigador Coletivo (onde se cruzam as várias subjetividades)» (Nunes et al, 1999: 17-18).


De uma forma geral, a sua metodologia baseia-se em três aspetos essenciais: ao nível da pesquisa através da investigação, na qual se pretende uma produção de conhecimentos sobre a realidade; ao nível da intervenção através da ação, que tem em conta a promoção da mudança da realidade social e a inovação; e ao nível da formação pessoal, profissional e social, que visa as interações e a partilha de saberes entre os teóricos e os práticos, permitindo o seu desenvolvimento aos vários níveis (Nunes et al, 1999).


Implicação

É importante mencionar que numa lógica de investigação-ação é importante que a implicação esteja presente, podendo esta ser ao nível pessoal, coletivo e até mesmo profissional.

Tendo em conta a minha experiência, considero que houve da minha parte uma implicação neste processo, em primeiro ao formular uma futura intervenção, mas também na medida em que tinha como objetivo repensar uma forma de mudar algo naqueles doentes, proporcionando-lhe a oportunidade de serem eles mesmos e de expor os seus pensamentos e sentimentos aos seus familiares. Apesar de acreditar que seja complicado de início, é também uma forma de perceber se eles estarão tão implicados naquilo como eu.


No entanto, na opinião de alguns autores, este conceito de implicação apresenta algumas diferenças. Por um lado, temos a perspetiva de Ardoino que vê a implicação como algo que não se considera ao nível do voluntariado e de atividades voluntárias, afirmando que é possível distinguir «(…) implicação daquilo a que se chama ‘empenho ou compromisso’ e que caracteriza mais como sendo ações do tipo ‘voluntarista’, na medida em que dependem da vontade do sujeito, enquanto que implicação pertence ao domínio das nossas ‘estruturas psíquicas primárias’» (Ardoino, 1982: 4). Na opinião deste autor, as nossas implicações são aquilo que nos prendem à nossa existência, ou seja, os nossos laços e os nossos enraizamentos (Ardoino, 1982).


Contrariamente, para Barbier (1975), a implicação do investigador na investigação-ação diz respeito a uma postura em que este «Queira ou não queira (…) está implicado na investigação ao nível psicoafectivo’ (inconsciente individual, das ligações afetivas profundas), ‘ao nível histórico-existencial’ (práxis, projeto do investigador) ‘e ao nível estruturo-profissional’ (…), ou seja ‘o investigador concebe-se, pois, como um sujeito implicado numa ação ou em relação a um objeto de investigação formulado a partir de um problema vivido na ação’ (Lévy, 1984), [ou seja], ‘A sua investigação começa com o conhecimento dessa implicação’» (Barbier, 1975 citado por Nunes et al, 1999: 19).


Neste sentido, revejo-me na opinião de Barbier, visto que para ele, a implicação está patente em todos os níveis da nossa ação. Assim, e uma vez que nunca somos indiferentes àquilo que fazemos ou vemos, estando sempre de certa forma implicados nesses atos, mas também, visto que constantemente nos encontramos a estabelecer diferentes tipos de relações uns com os outros, somos sempre, direta ou indiretamente, afetados por isso, muitas vezes sem sequer nos apercebermos desses atos.


Investigador Coletivo

Se tivermos em conta o tipo de sujeito que faz parte da investigação-ação, este é caracterizado como sendo alguém que faz algo ou que é responsável por uma ação, ou seja, é ele o autor dessa ação. À luz deste conceito de sujeito, está também o de subjetividade, que diz respeito essencialmente, às nossas experiências, vivências, valores e crenças pessoais acerca de algo. Nesta lógica, há uma ligação à linguagem que é quem dá sentido a estas mesmas vivências e experiências pessoais, sendo através destas que nós interpretamos a nossa subjetividade, bem como, as nossas subjetividades.


No entanto, é de realçar que neste contexto de investigação-ação, o tipo de investigador/sujeito que está presente e que merece maior destaque, é caracterizado por investigador/sujeito coletivo. De forma sucinta, este é composto por um conjunto de pessoas responsáveis por determinada ação que têm como objetivo uma causa com o intuito de obter mudança, sendo essencial a sua implicação e cooperação coletiva.


Há ainda a mencionar um outro tipo de investigador/sujeito que é o designado de sujeito histórico. Este, apesar de ser também um sujeito coletivo, assume especial importância num determinado momento, uma vez que as suas ações foram fundamentais para conseguir alcançar determinada mudança social, ou seja, num determinado momento histórico, este tipo de investigador protagonizou mudanças significativas na vida das pessoas.


No entanto, importa mencionar que relativamente ao papel desempenhado pelo investigador/sujeito coletivo, existem autores que assumem diferentes perspetivas.

Segundo Bataille, um investigador coletivo é visto como «(…) um sujeito transidividual que não é prático nem investigador, mas que introduz mudanças no plano da produção de conhecimentos (a investigação) e no plano das práticas, que assegura a articulação entre os dois» (1981: 33). Perrenoud (1980) dá relevo e importância à necessidade dos vários investigadores se situarem numa dinâmica relacional, que muda as atitudes e as relações com o saber e com a ação. Enquanto agente de mudança, este investigador confronta-se várias vezes com avanços e recuos na sua intervenção, sendo a sua identidade de difícil realização e a sua construção lenta e demorada (Nunes et al, 1999). «A construção do investigador coletivo vê constantemente o seu percurso ameaçado por sentimentos que são fruto da história de cada um que, aos poucos, vão sendo desnudados. É como individuo que cada ator participa num projeto comum e, só lentamente, se passa do eu ao nós. É necessário passar por cedências, é necessário aprender a pôr-se em causa, a aceitar críticas, perceber que a nossa perspetiva é apenas uma entre outras» (Leite et al, 1992: 7 citado por Nunes et al, 1999: 21).


Em investigação-ação há uma interligação entre investigadores - atores com o meio em que intervêm, uma vez que o contexto que age sobre eles origina uma transformação em ambos. É um tipo de investigação em que tanto teóricos como práticos se encontram reciprocamente implicados (Nunes et al, 1999).

E foi esse fator que verifiquei na minha experiência enquanto tripulante de ambulância. Considero desde o inicio que a minha participação neste possível campo interventivo não será só como investigadora, mas sim, como alguém que aprenderá bastante com os outros com os outros, aprender com os doentes, que tanto têm para nos ensinar, e por vezes nem nos apercebemos disso.

Esta experiência fez-me perceber que era importante e necessário criar uma ligação com aqueles doentes e proporcionar essa mesma ligação com as suas famílias, de modo a que todos se sintam implicados, mas também que seja uma experiência útil para todos.


Mudança e Inovação

O conceito de inovação e de mudança são uma constante na investigação-ação. Sempre que pensamos e concebemos um projeto para um determinado contexto, como por exemplo no campo educativo, que é o mais evidente, é óbvio que idealizamos que este para ser bom e eficaz necessita de provocar uma mudança, principalmente porque sempre que intervimos, o nosso objetivo principal é mudar e inovar algo, sempre numa tentativa de melhorar. A avaliação, por exemplo, de que um projeto necessita durante toda a sua execução e todo o seu percurso, é sinónima de mudança. Segundo Nunes et al «Há [mesmo] quem considere que há inovação sempre que há mudança e vice-versa» (1999: 25).

Na conceção de Brickell, e tal como afirma Nunes et al (1999), inovação é «(…) a totalidade do processo que consiste em conceber uma nova praxis educativa (…) experimentá-la (…), testá-la (…) e difundi-la (…) (…)».


Segundo Cortesão, existem inovações no campo da educação que podem ser encaradas como «(…) medidas que (…) além de intencionais e organizadas, visam uma renovação tal, que a curto, médio e longo prazo a diferentes níveis e em diferentes situações acabam por ter reflexos (…) sobre o efeito do investimento educativo e no desenvolvimento pessoal e social dos diferentes atores sociais envolvidos» (1992: 26).


Assim, é importante referir que na investigação-ação há uma crescente necessidade de se refletir sobre a realidade com o intuito de a transformar segundo uma determinada intencionalidade, a designada obtenção de mudança social. De acordo com Rosa Nunes «Em Investigação-Ação a proximidade dos problemas com vista à transformação da realidade, no sentido último da emancipação humana, confronta a investigação sujeita ao cânone dominante com a consideração da implicação, assumindo-se a interferência estrutural do sujeito no objeto da investigação» (2008: 3).


Neste sentido, a própria investigação-ação assume-se como um lugar de experimentação social, mas também de emergência de conflitos sociocognitivos. Tal como afirma Correia, «(…) inovar é sempre entrar em conflito mais ou menos aberto com o sistema existente, é chocar com as estruturas, os hábitos e os preconceitos (…)» (1989: 33). Neste sentido, afirma ainda que «A produção de conflitos é, de facto, uma consequência da própria inserção institucional das práticas inovadoras no sistema» (Correia, 1989: 36).

Através da minha experiência vivenciada, considero que esta possível intervenção terá por base a inovação e uma consequente mudança, para a vida destes doentes.


De uma forma geral, a inovação visa sempre melhorar algo através de práticas que têm por objetivo uma mudança radical da estrutura das relações que se estabelecem com a sociedade. Assim, «À inovação está associado o desejo de mudança, [facilitando] a apropriação pelos agentes socializados dos efeitos sociais e das práticas que elas desenvolvem» (Nunes et al, 1999: 28).


Ser Mediador Socioeducativo e da Formação em Contexto de Saúde Mental

Focando-me agora na experiência que tive e que optei por narrar, considero que esta se poderá assumir, de certa forma, como uma investigação-ação, na medida em que, tanto eu enquanto voluntária (investigadora) como os doentes enquanto participantes, estaremos juntos em diversos momentos, com os mesmos objetivos e as mesmas ambições. É esperado que isso não surja logo de início.


Todo este processamento é complicado logo desde a descoberta da doença, tendo em conta que num caso entre doente e pais, o filho torna-se um objeto privilegiado de descarga das tensões da família (superproteção, negação, projeção, do sentimento de culpabilidade) a minha intervenção centrar-se-ia, essencialmente, neste conteúdo, na medida em que pretendo utilizar a mediação familiar para facilitar este processo. Toda a evolução do doente é influenciada pelas atitudes condicionadas pelo conflito interior daqueles que são mais próximos (pais, família, …).


Contudo, é importante referir que tudo isto não tem como único objetivo a integração social do doente, mas também “promover a saúde, prevenir e curar a doença, e reabilitar” (Matos, A.C., 2004) que é nisto que me concentro assim como qualquer centro ou projeto de reabilitação que tenha um programa de saúde, geralmente, organizado com a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.


A intervenção neste caso incidiria na implementação de uma diversidade de estratégias sistematizadas em programas específicos, de forma a responder ao maior número de necessidades desta comunidade.

Pois, o processo de comunicação é algo que vivemos quotidianamente. A maioria das nossas atividades diárias envolvem alguma forma de comunicação, seja verbal ou não verbal. Ao falarmos de comunicação neste contexto, fazemos referência a capacidade que o indivíduo possui, tanto para transmitir as suas ideias e seus sentimentos a outros indivíduos, como para perceber as ideias e sentimentos de outros indivíduos. Em suma, é a capacidade de por em comum o que sabem ou vivem determinadas pessoas, neste caso em particular, os doentes e as suas famílias.


Conclusão

Estamos habituados, de certa forma, a investigar para posteriormente agir, e neste campo, a investigação-ação veio desconstruir um pouco essa ideia. O próprio nome da unidade curricular já fazia também ter em conta um pouco esta ideia, uma vez que ele mesmo diz “investigação-ação” o que rapidamente me remete para a noção de que há uma investigação ao mesmo tempo que há uma ação, ou seja, é no próprio terreno que vamos investigar e descobrir as suas potencialidades de modo a mudar e a inovar algo.


E depois é claro, o conceito de educação que sempre esteve presente ao longo da licenciatura, uma vez que enquanto futuros/as Educólogo/as, vamos intervir na maioria das vezes no campo educativo e em contextos relacionados com ele.

Quanto a este ensaio crítico desenvolvido individualmente, julgo ser de extrema pertinência o facto de podermos narrar uma experiência que vivemos, uma vez, muitas das vezes, sem nos apercebermos, realizamos atividades fora do contexto de faculdade, que em toda a sua dimensão se podem inserir em contextos relacionados com esta.


Optei por escolher uma situação que marcou a minha vida em vários aspetos e que esteve relacionada com uma experiência que tive e que de certa forma, proporcionou-me a elaboração de uma possível implementação de um projeto.

Ao pôr em prática esta intervenção, será possível concluir se um dos entraves para a reabilitação psicossocial e a reintegração social dos doentes com perturbações mentais graves, estará de certa forma diretamente interligado com a dualidade da relação doente-família.


Será também possível concluir se a mediação familiar será uma aposta positiva para colmatar as falhas existentes neste âmbito, visto que através da nossa observação/investigação, foi nos possível concluir que ainda existe uma grande falha neste sentido.

Será importante também avaliar a necessidade deste tipo de instituições em ter como técnicos os mediadores socioeducativos e da formação e de que forma as nossas potencialidades podem melhorar o desenvolvimento e crescimento da instituição, assim como auxiliar nos resultados obtidos com a recuperação dos doentes.

Este facto seria também um marco importante para o nosso curso, na medida em que abriria portas num âmbito bastante diferente dos já existentes para a nossa área, mostrando assim a multifuncionalidade dos profissionais de Ciências da Educação, permitindo assim, mais uma vez elevar o nosso curso a um novo nível de intervenção.


Discente: Diana Borges

Docente: Maria José Magalhães - FPCEUP

Unidade Curricular: Investigação-Ação em Educação




 
 
 

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page